Cláudio seguia pelo corredor apressado, gesticulava exaltado, reclamando de como o vôo foi desconfortável para o homenzinho ao seu lado, o João. O mais alto, de terno e maleta, parecia incomodado com alguma coisa e antes de abrir a porta de vidro que os separava do loft onde o projeto EasyStuff será desenvolvido, comenta:
– João, você sabe que eu não gosto de perder tempo, espero que você saiba o que está fazendo…
– Ninguém gosta de perder tempo, Cláudio, pode deixar comigo.
Os dois abrem a porta de vidro e cruzam o salão até a sala de reunião onde já se encontram sentados ao redor da mesa por volta de 12 pessoas; João apresenta rapidamente um por um a Cláudio.
– Essa daqui eu conheço! – diz Cláudio com um sorriso tentando disfarçar o nervosismo. – Tudo bem chefinho? Como foi a viagem? – respondeu Vera também com um sorriso. – Uma porcaria. – completa Cláudio sem disfarçar o mau humor enquanto senta em uma das cadeiras livres, desabotoando o paletó.
Com o sinal de João, um dos rapazes da sala inicia uma rápida apresentação.
– Meu nome é Ricardo e para iniciarmos a nossa reunião vamos conversar um pouco sobre o porquê de estarmos aqui, o que queremos e o que vamos fazer hoje…
Em torno de 20 minutos Ricardo apresenta a versão anterior do EasyStuff, desenvolvida por uma outra empresa. O projeto consumiu 15 meses e o resultado foi insatisfatório. Algumas funcionalidades foram mal interpretadas, outras deixadas de lado e das que foram entregues, algumas apresentaram dificuldade de uso.
Mas não foi um fracasso completo, o EasyStuff colocou a Cabeça-Dura e associados, a empresa de Cláudio, no mercado antes da concorrência, garantindo uma razoável fatia do mercado. No entanto, as coisas mudam rapidamente e o EasyStuff já vem se tornando ultrapassado e perdendo a competitividade. Ainda se recuperando dos prejuízos do primeiro projeto, Cláudio se vê diante do inevitável: começar mais um projeto de software que vai atrasar, entregar um produto medíocre que precisará de várias atualizações para funcionar decentemente e ainda custar caro.
– O objetivo – diz Ricardo – é entregar software funcionando de acordo com a necessidade atual do cliente, para isso vamos levantar os requisitos atuais e planejar os próximos passos…
– Mas isso já não foi feito? Vocês até entregaram um cronograma de 12 meses. – interrompe Cláudio um tanto quanto irritado.
– Já – Jõao assume – mas foi uma visão geral, vocês precisavam saber se nós conseguiríamos realizar o projeto e nós precisávamos ter uma idéia de onde estávamos nos metendo…
– Agora nós precisamos definir os requisitos em mais detalhes – continuou Ricardo – é por isso que temos Vera aqui, ela é a mais próxima dos usuários do sistema e poderá nos ajudar a entender o que deve ser feito. Podemos começar?
Cláudio faz um meneio com a cabeça confirmando, ainda emburrado. Em seguida os desenvolvedores espalharam pela mesa cartolinas, cartões e canetas piloto. Vera se viu envolvido em uma série de questionamentos e atividades com as quais não estava acostumada. A princípio foi necessário explicar muita coisa, sobre os modelos que os desenvolvedores estariam usando e coisas do tipo. A primeira hora foi bastante improdutiva e Cláudio já tinha saído para fumar umas três vezes e não escondia a sua impaciência.
Mas a segunda hora de trabalho começou a mostrar resultados. Os modelos de papéis e responsabilidades ficavam mais definidos, as tarefas estavam claras e agrupadas em atividades, o pessoal empolgava-se com o progresso. Cláudio percebe que muitos pontos dos requisitos estavam nublados e tudo parecia mais claro agora. É quando de repente a turma é interrompida pelo interfone, o motoboy chegou com a comida.
Durante uma pausa de 15 minutos, a equipe vai para a copa e desfruta do lanche. Cláudio parece mais descontraído, faz brincadeiras com o pessoal e parece não se lembrar da viagem desconfortável. Vera fala sobre as novas e excitantes funcionalidades que o EasyStuff poderia ter, como uma versão móvel para celular, todos escutam atentos. Sérgio, um dos desenvolvedores da equipe explica a Vera e a Cláudio o que será feito na próxima etapa: O jogo do planejamento.
De volta à sala de reunião Vera e Clara (que possui mais conhecimentos de usabilidade na equipe) se ocupam de interpretar os modelos e escrever as Estórias do Usuário, com a ajuda de Alberto (o cara dos testes) escrevem também os Testes de Aceitação. Em outro canto os desenvolvedores estão reunidos sob a direção de Sérgio (o que saca mais de arquitetura) para discutir alguns aspectos da arquitetura e implementação, para compartilharem uma visão comum do esforço. Finalmente, João e Ricardo conversam com Cláudio sobre o cronograma do projeto.
– Precisamos de um beta para Maio – diz o homenzarrão. – A concorrência está apertando, se não tivermos algo para atrair o mercado, será tarde demais.
– Nós lhe entregamos um versão funcional em Abril – diz Ricardo.
– Você deve estar brincado – sorri Cláudio um pouco sem graça – em apenas três meses vocês entregam a primeira versão?
– Acreditamos que sim – confirma Ricardo – e mais uma atualização a cada mês após a entrega da primeira versão.
– E com que funcionalidades? – pergunta Cláudio confuso.
– Quem decide é você, imagine a nossa equipe como uma linha de montagem. – explica Ricardo – Nós temos uma determinada Vazão de funcionalidades, o que entra nessa linha de montagem são os seus requisitos, o que sai é software rodando…
João percebe que as coisas estão encaminhadas entre Cláudio e Ricardo e vai ver como os outros estão se saindo. Finalmente, ele chama a atenção de todos e dá início a próxima etapa do jogo do planejamento.
– Isso é um jogo, pessoal, temos regras e um objetivo. O objetivo é conseguir maximizar o Valor resultante do nosso trabalho. Para isso precisamos estimar o valor e o custo de cada estória.
Vera e Clara apresenta o resultado do seu trabalho para Cláudio. Que começa a analisar estória a estória e, com o auxílio de Ricardo, pontuá-las de acordo com sua importância para o negócio em questão. Enquanto ele prossegue analisando as estórias, ele se depara com uma que lhe causa estranheza.
– Essa aqui me parece errada – diz Cláudio – os usuários do EasyStuff não precisam disso.
– Mas, Cláudio – diz Vera – eu estive conversando com diversos usuários e a grande maioria apresentou reclamações nesse sentido.
– Mas… – ia prosseguir Cláudio.
– Na verdade – interrompe João – esse é o papel de Vera. Devemos perguntar aos usuários o que eles precisam ou não. Porém, sua empresa tem o direito de ignorar essa necessidade. Cabe a você, no papel de Cliente, definir a prioridade desse requisito.
– Hum… – um pouco aturdido, Cláudio comenta – se tantas pessoas reclamaram, então é porque deve ser importante, o que você acha Vera?
– Eu acho que deveríamos priorizar isso, com certeza…
À medida que as estórias passam pelas mãos de Cláudio seguem para as mãos da equipe que reunida vai estimando o esforço de cada uma e anotando em seu cartão. Nesse momento entra a experiência de Sérgio em conduzir a equipe rapidamente a um consenso utilizando as aptidões de cada um. Em pouco tempo o cartão de cada estória está marcada com o seu valor e o custo de esforço.
Com o dia entrando pelo meio da tarde, todos estavam prontos para continuar com o jogo…
(continua no próximo post)
Adorei a historia, estou aguardando a próxima parte. Onde posso conseguir um material de aplicação de XP passo a passo?
rapaz, passo a passo eu não sei te dizer, mas você pode servir de proxy lendo um livro de xp e depois passando pros seus colegas passo a passo.
como referencia eu sugiro Extreme Programming Explained 2nd Edition, Kent Beck, sobre planejamento Extreme Programming Planned de Kent e Martin Fowler se não me engano. Mas o melhor mesmo é não se ater apenas ao XP e dar uma olhada no movimento ágil em geral, o livro de Scrum (não me lembro o nome do livro) de Ken Schawber é muito bom, na medida que explica os conceitos do Scrum através de anedotas como essa que estou contando aqui.
depois é sempre bom procurar outras pessoas da área para trocar experiencias e opinioes, eu sugiro a lista do XPRecife: http://br.groups.yahoo.com/group/xprecife/
lá você pode encontrar links para as outras listas de discussão do brasil.
Rudolfh, não sei se já vi algo parecido com o que você quer, mas posso te dizer que para aprender e aplicar XP você vai precisar de três passos básicos:
1. Aprenda e aplique as regras
Consiga um livro sobre o assunto, pergunte a um amigo, pesquise na Internet ou contrate um treinador para sua equipe e aprenda quais são as regras básicas de XP. Comece a aplicar o que faz sentido para você e pesquise mais um pouco sobre o que não faz sentido ainda.
2. Entenda as regras
Com o tempo você vai passar a entender porque as regras estão como estão e como elas interagem umas com as outras.
3. Subverta as regras >:-)
Depois que você souber a razão de ser das coisas, vai notar que nem tudo precisa ser aplicado ao pé-da-letra pra você e sua organização. Estas regras não são leis absolutas e você pode (e deve!) adaptá-las ao seu contexto. Nesse estágio você já atingiu a tão almejada melhoria contínua do processo que, apesar de ter um nome meio esquisito, é uma coisa boa.
[…] Jul 3rd, 2007 by delvar (Caso não se lembre, leia O Jogo do Planejamento, Parte I) […]
Cara, parabéns pelo post!
[…] O Jogo do Planejamento, Parte I […]
[…] O Jogo do Planejamento. Morre o compositor Sivuca aos 76 anos de idade. Ele estava internado há dois dias para tratamento de câncer. Sivuca compôs músicas conhecidas como ‘João e Maria’. […]